quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mudança de Rota


Dentes-de-leão floridos. Barulho de cortador de grama. Cheiro de mato cortado. Céu nublado. Vento frio soprando bem de leve. Sino da igreja badalando. Estou sentada no banco da praça, no alto de uma colina, entre mim e um fjord há um lago onde o navio está ancorado. Islândia. A cidade é pequena e, apesar dos carros passando, não tem barulho de trânsito. Depois de seis meses embarcada, eu estava precisando muito disso. Estar sozinha, sem nenhum crew ou passageiro por perto, respirar um pouco de ar de verdade, sem ar-condicionado. Principalmente, estar parada simplesmente vendo o tempo passar. A vida no navio é frenética, me sinto como se estivesse dentro de um liquidificador ligado. Em todos os sentidos. Sair do navio em grupo é uma paranóia de correr pra conhecer tudo, correr pra comprar souvenir, correr pra achar uma internet, correr pra comer alguma coisa diferente. Faz seis meses que só faço isso e, definitivamente, cansei. Agora faltam exatamente dois meses pra eu ir pra casa e decidi mudar de vida. Vou cuidar da minha saúde que não anda nada boa, vou fumar menos, gastar menos dinheiro, cuidar da cabeça. Tem também as coisas do coração que, por sinal, passou o contrato inteiro fechado à sete chaves, sem abrir pra ninguém entrar. Toda vez que alguém tentou chegar mais perto, eu me afastei. Algumas vezes, conscientemente; às vezes, mentindo pra mim mesma. É um pouco triste estar sozinha, mas eu preferi fazer assim e me proteger. Aqui no navio, quase tudo é ilusão e eu não quis sofrer por pessoas que eu nunca vou saber quem são de verdade. Hoje, acordei cedo e, ao invés de ir pro lugar turístico, fui dar uma volta a pé pela cidade. Andei pelas ruas olhando os fjords lá longe, com o topo todo manchado de branco. Senti realmente que estou muito longe de casa, não só do Brasil, mas longe de tudo que é meu, longe da minha vida, longe de mim mesma. Me senti bem sozinha e me veio na cabeça uma pergunta: “Por que eu tive que vir tão longe?” Na verdade, estou fugindo do meu passado, das minhas frustrações e dos meus medos. E vim parar aqui, perto do pólo norte, em busca de algum sentido pra continuar. Ainda não encontrei, mas sei que fui bem longe e agora é hora de voltar. É hora de pensar o que eu quero fazer da minha vida, pensar nos meus valores, pensar no que é realmente importante. A distância me fez perceber o quanto eu preciso da minha família, o quanto eu sinto falta dos amigos de verdade. Aqui na Islândia eu chego à conclusão de que apesar de sempre tentar não precisar de ninguém, eu não quero mais ser sozinha. Eu vou voltar pro Brasil e pela primeira vez vou admitir pra mim mesma que não gosto da solidão, que preciso do carinho e do amor de todo mundo que gosta de mim. Passei a vida inteira me protegendo, desconfiando de boas intenções, afastando as pessoas, duvidando que o amor é possivel. Sou uma pessoa muito forte, passo por cima de qualquer obstáculo pra conseguir o que quero, aguento a pressão. Mas, tudo tem o seu preço e isso já não está valendo a pena. Ser forte e ser livre é muito solitário. A partir de agora, já comecei a fazer o caminho de volta pra casa.