sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Atualizar é preciso

São 23h30 do dia 31 de dezembro e resolvi atualizar o blog antes do ano acabar. Já fazia três meses que não escrevia nada. Não é que a vida andasse monótona e sem novidades. Pelo contrário. Muita coisa aconteceu, a vida deu voltas e acabei retornando para o mesmo lugar. Em outubro, embarquei de novo em um navio em Veneza e passei um mês na Grécia. A sensação de voltar para a vida a bordo foi completamente nova, um estranhamento ao perceber que era tudo igual e ao mesmo tempo tudo diferente. Nas primeiras semanas, não me senti bem. Só sentia saudade de tudo o que tinha vivido no contrato passado, afinal eu vi que não iria se repetir. A gente nunca sonha o mesmo sonho duas vezes. Fui me adaptando aos poucos, entrando na rotina e priorizando o trabalho. Logo, o navio partiu para o Brasil para a temporada Rio-Buenos Aires. Meus pais foram me ver em Porto Belo no dia de natal e estava tudo bem. Mas, de um dia para o outro, literalmente, os planos mudaram completamente. Tive uma inflamação na boca, nada grave, mas que doía muito. Eu andava cansada fisicamente e já tinha percebido que não tinha estímulo para trabalhar 11h seguidas de pé, vendendo fotos. Já tinha chegado à conclusão de que a vida estava bem chata e que talvez não valesse mais a pena estar ali. A inflamação começou no final da tarde e no outro dia de manhã decidi pedir demissão. No dia seguinte, desembarquei no Rio de Janeiro e vim para casa. A inflamação não foi motivo suficiente para a demissão, mas foi o sinal que eu estava esperando para tomar uma atitude. Todas as grandes decisões da minha vida foram tomadas assim: seguindo unicamente minha intuição. Não pensei se deveria mudar os planos, eu simplesmente senti que era a hora de ir pra casa. Eu percebi que viver de novo as mesmas experiências não iria me acrescentar nada. Sem o entusiasmo da novidade e sem a perspectiva de um itinerário bacana, a vida a bordo tinha se tornado sofrida e angustiante. Cheguei em casa há quatro dias e, apesar de já sentir saudade do mar, sei que fiz a coisa certa, porque tenho certeza de que a vida vai continuar me trazendo novas experiências e surpresas.

O ano de 2011 está começando nesse minuto. E eu estou começando uma nova fase da minha vida. Outra vez.

domingo, 19 de setembro de 2010

Guitarra e Prancha de Surf

Minha sobrinha vai fazer três anos e pediu uma guitarra de presente de aniversário para a mãe dela. Não é que o mundo mudou? Quando eu era criança, as meninas ganhavam bonecas. Fiquei filosofando que isso pode não ser só uma preferência por um brinquedo diferente, mas pode ser um indício de que os pais estejam finalmente parando de se projetar nos filhos. Dar bonecas de presente era uma forma de treinar a menina para o inexorável dia em que ela se tornasse mãe (claro, se fosse uma boneca-bebê, no caso de ser uma barbie já era um treino para ser bonita, sensual e consumista). Agora, quando a minha sobrinha pede uma guitarra, ela não está querendo simular a vida adulta, mas está pensando no prazer imediato de tirar um som e se divertir. Será que finalmente as próximas gerações vão conseguir viver o presente? Tomara que sim. Falando nisso, o meu presente também vai ser bom: vou dar uma boneca surfista com um bugue cor-de-rosa que vem com uma pranchinha de surf. Tudo bem que estou dando uma boneca e projetando o futuro, mas pelo menos ela vai se divertir e viver intensamente.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Comer e dormir, é só começar. Faz um mês que desembarquei e a vida já voltou ao normal faz tempo. Se fosse um emprego normal, agora eu estaria voltando ao trabalho, já começando a contar os dias para as próximas férias. Mas, ainda tenho mais três meses de férias. Quando estava a bordo, o mundo aqui fora parecia surreal, as lembranças vinham na cabeça com as pinceladas de sonho. Agora sinto a mesma coisa em relação aos oito meses em que estive fora. Já comecei a esquecer nomes, pessoas, lugares. Contando algum episódio para algum amigo, me pego pensando que a descrição parece meio exagerada e fico na dúvida se eu realmente vivi aquilo daquele jeito. Dá a impressão de que nem aconteceu de verdade. Ou pelo menos, que não aconteceu comigo. De qualquer maneira, oito meses fora me fizeram dar mais valor à minha casinha, à minha caminha, à minha própria comidinha. Acima de tudo, fizeram eu ter muito prazer mesmo em passar a tarde inteira assistindo filmes e lendo revistas. O que antes era puro tédio, virou diversão. Ir ao mercado já era meu passatempo preferido, agora ficou melhor ainda. Tomar banho de meia hora, apesar de politicamente incorreto, é uma das melhores coisas do dia. De longe, são as melhores férias de todos os tempos. Sem nem precisar sair de casa.

sábado, 4 de setembro de 2010

Pausa para o Café

Na verdade, foi um verdadeiro drama a expectativa para voltar para casa. Horas e horas de conversa com os amigos tentando imaginar tudo o que eu iria sentir e o que iria fazer quando chegasse ao Brasil. No fim, foi tudo bem normal e já faz 20 dias que estou de férias. Achei que iria ficar emocionada quando o avião pousasse, que iria estranhar os carros querendo passar em cima da gente, que iria achar diferente as pessoas falando em português. Mas, não rolou nada disso. Cheguei no aeroporto tão cansada que só queria que a minha mala aparecesse logo na esteira. Nos primeiros dias, não senti nem mal-estar por causa da diferença de cinco horas de fuso horário. Ainda não sei se isso é bom ou ruim, mas estou só me sentindo de férias. Embarco de novo daqui uns meses e esses dias tão estranhos parecem mais uma pausa para o café no meio do expediente.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

É hora de ir embora

Estou em Bergen, Noruega. Faltam oito dias para eu pegar o avião de volta pro Brasil. Geralmente, quando eu termino algo, sempre fecho pra balanço, contabilizo o lucro e as perdas, faço uma avaliação geral, verifico as estratégias que funcionaram e as que deram errado pra fazer um planejamento para a próxima empreitada. Dessa vez, está sendo diferente. O meu contrato de oito meses a bordo está terminando, mas é humanamente impossível fazer um balanço geral. Foram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, em todas as esferas da minha vida, com tanta intensidade que simplesmente não dá pra parar e pensar em tudo de uma só vez. Minha única certeza é que eu não só mudei um pouco nesses meses, eu realmente me tornei outra pessoa. Em todos os aspectos. O mais impressionante é que foi assim até o final do contrato. No último mês, conheci uma pessoa muito especial que me deu uma direção a seguir. Eu nunca mais vou ver essa pessoa, mas conhecê-la me devolveu a esperança de que é possível ter alguém com que compartilhar. Eu não acreditava mais que isso fosse possível, achava que a solidão era o meu destino, no fim das contas. Agora eu sei que existe alguém esperando por mim em algum lugar do mundo. Essa pessoa que conheci passou na minha vida somente por dois cruzeiros, mas ela me ensinou muito e me ajudou a encontrar uma direção. Volto pro Brasil, pra minha família, pra minha vida, muito melhor do que quando parti. Com o coração aberto e a cabeça pensando em coisas boas. A vida é feita de ciclos. Hoje, essa pessoa especial está indo embora da minha vida. É um ciclo que se fecha e outro que está apenas começando. Vida Nova. Finalmente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mudança de Rota


Dentes-de-leão floridos. Barulho de cortador de grama. Cheiro de mato cortado. Céu nublado. Vento frio soprando bem de leve. Sino da igreja badalando. Estou sentada no banco da praça, no alto de uma colina, entre mim e um fjord há um lago onde o navio está ancorado. Islândia. A cidade é pequena e, apesar dos carros passando, não tem barulho de trânsito. Depois de seis meses embarcada, eu estava precisando muito disso. Estar sozinha, sem nenhum crew ou passageiro por perto, respirar um pouco de ar de verdade, sem ar-condicionado. Principalmente, estar parada simplesmente vendo o tempo passar. A vida no navio é frenética, me sinto como se estivesse dentro de um liquidificador ligado. Em todos os sentidos. Sair do navio em grupo é uma paranóia de correr pra conhecer tudo, correr pra comprar souvenir, correr pra achar uma internet, correr pra comer alguma coisa diferente. Faz seis meses que só faço isso e, definitivamente, cansei. Agora faltam exatamente dois meses pra eu ir pra casa e decidi mudar de vida. Vou cuidar da minha saúde que não anda nada boa, vou fumar menos, gastar menos dinheiro, cuidar da cabeça. Tem também as coisas do coração que, por sinal, passou o contrato inteiro fechado à sete chaves, sem abrir pra ninguém entrar. Toda vez que alguém tentou chegar mais perto, eu me afastei. Algumas vezes, conscientemente; às vezes, mentindo pra mim mesma. É um pouco triste estar sozinha, mas eu preferi fazer assim e me proteger. Aqui no navio, quase tudo é ilusão e eu não quis sofrer por pessoas que eu nunca vou saber quem são de verdade. Hoje, acordei cedo e, ao invés de ir pro lugar turístico, fui dar uma volta a pé pela cidade. Andei pelas ruas olhando os fjords lá longe, com o topo todo manchado de branco. Senti realmente que estou muito longe de casa, não só do Brasil, mas longe de tudo que é meu, longe da minha vida, longe de mim mesma. Me senti bem sozinha e me veio na cabeça uma pergunta: “Por que eu tive que vir tão longe?” Na verdade, estou fugindo do meu passado, das minhas frustrações e dos meus medos. E vim parar aqui, perto do pólo norte, em busca de algum sentido pra continuar. Ainda não encontrei, mas sei que fui bem longe e agora é hora de voltar. É hora de pensar o que eu quero fazer da minha vida, pensar nos meus valores, pensar no que é realmente importante. A distância me fez perceber o quanto eu preciso da minha família, o quanto eu sinto falta dos amigos de verdade. Aqui na Islândia eu chego à conclusão de que apesar de sempre tentar não precisar de ninguém, eu não quero mais ser sozinha. Eu vou voltar pro Brasil e pela primeira vez vou admitir pra mim mesma que não gosto da solidão, que preciso do carinho e do amor de todo mundo que gosta de mim. Passei a vida inteira me protegendo, desconfiando de boas intenções, afastando as pessoas, duvidando que o amor é possivel. Sou uma pessoa muito forte, passo por cima de qualquer obstáculo pra conseguir o que quero, aguento a pressão. Mas, tudo tem o seu preço e isso já não está valendo a pena. Ser forte e ser livre é muito solitário. A partir de agora, já comecei a fazer o caminho de volta pra casa.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Estar na Rússia foi fantástico! Eu me lembrei de quando era criança e estava rolando a guerra fria, de todas as imagens que eu tinha na cabeça, dos soldados, do comunismo, da bomba atômica. Naquela época, eu era suscetível à propaganda americana e fazia torcida para os EUA. Foi surpreendente estar lá, vendo que é um país, um povo, uma língua, um jeito de vestir. Não são só tanques e exércitos. Apesar de que ainda dá pra ver relíquias do comunismo, como os grandes prédios residenciais de concreto cinza que ficam perto do porto. Dá pra notar que os prédios não tem significação arquitetônica nenhuma, têm adornos e tudo, mas não é expressão de nada. São só prédios. Achei uma cidade bem triste, senti algo um tanto carregado, as pessoas são sérias e ríspidas, têm um olhar vazio. A não ser o vendedor de souvenirs da praça que falou comigo e em português. Talvez, seja só impressão minha, afinal foram muito fortes as impressões que tive da Rússia quando era criança. Fico imaginando tudo o que rolou por aquelas ruas por onde passei quando o comunismo acabou. O povo enfrentou uma grande mudança e mudar sempre é difícil. O problema desse turismo de tripulante de navio é que eu passo pelas cidades por algumas horas, mas não dá pra conhecer, fico só em lugares turísticos que nada mais são do que flores de plástico dentro de um vaso, ao invés de ser um jardim. Bonitos e artificiais. Tive uma grande curiosidade de saber mais, de conversar com os russos pra saber o lado deles da história. Essa grande história que foi o comunismo russo. Assunto grandioso demais pra eu conseguir dividir com alguém aqui dentro desse aquário em formato de navio, onde a revista Veja é chata porque só tem notícia.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mar Báltico

A única coisa que eu sabia sobre a Finlândia era que o Papai Noel morava lá. Pois é, estava um dia quente e todo mundo de short e camiseta tomando sol na praça. Nada de neve, nem de renas puxando trenós! Mas, foi impressionante estar tão perto do Pólo Norte! Nem é tão perto assim, mas pra quem veio do Brasil, é só um pulinho pra atravessar o Círculo Polar!
Quando eu penso que já me surpreendi bastante, ainda tem mais!!!
Próximo Itinerário: Islândia!!!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Céu Astral

Fiz aniversário em Cádiz, na Espanha! O inferno astral acabou mesmo e as coisas automaticamente melhoraram. O navio partiu para a temporada no norte da europa e estou fazendo a travessia Itália-Alemanha. Agora o período de indefinições acabou e sei que não vou ser transferida, continuo no mesmo navio até o julho. Recuperei meu foco e voltei a pensar que muita coisa boa aconteceu e melhores ainda virão. Coisas como Inglaterra, Rússia e Islândia que logo vou conhecer.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Inferno

Todo ano é a mesma coisa, o maldito inferno astral antes do meu aniversário. Depois de um janeiro doido, um fevereiro carnavalesco e um março efervescente, veio abril com as coisas meio andando pra trás, algumas decepções e nada de novo acontecendo. Inferno Astral é foda. Em abril, entrei em crise e fiz aquela pergunta básica: “O que é que eu estou fazendo aqui?”. Perdi o foco, fiquei confusa sem saber pra onde estou indo e sem um objetivo claro. Daqui três meses eu volto pro Brasil e ainda não sei o que vou fazer. O mais provável é que eu tire férias de dois meses e volte pro segundo contrato. Mas, isso não é muito certo, ainda não consigo me imaginar chegando em casa, quanto mais embarcando de novo. Esses dias, surtei. Tive muita vontade de me enfiar embaixo do edredon e chorar. Mas, não chorei. Tomara que o meu aniversário chegue logo pra esse inferno astral acabar e eu poder respirar um pouco. Perdi o foco, mas não posso perder a fé.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

No meio do caminho

Esses dias comemorei meu aniversário de quatro meses, exatamente a metade do meu contrato. O tempo passou tão rápido que nem acredito. Todo mundo no navio acha estranho quando eu digo isso, porque aqui as pessoas já começam a contar os dias pra ir embora no mesmo dia em que embarcam. É uma paranóia, todos ficam o tempo inteiro reclamando que o dia de ir pra casa não chega nunca. Mas, eu não. Há um boato de que existe uma data pra eu desembarcar com sete meses de contrato (isso é normal, o contrato é de oito meses que pode ser extendido ou reduzido em 30 dias), mas se isso acontecer penso em pedir para extender para oito. Porque eu realmente não tenho pressa de ir embora. Na verdade, eu não tenho pra onde voltar. Eu decidi embarcar no navio porque a vida não estava boa, não tinha trabalho nem dinheiro e estava sozinha. Então, não posso voltar pra uma vida que não é boa. Preciso e quero continuar a viagem que comecei, sempre pra frente, sem olhar para trás. Já tenho planos pra ir pra Salvador – BA, morar com meu irmão depois que acabar o segundo contrato. Se não acontecer nada de novo, é isso que vou fazer. Eu me sinto bem e forte aqui dentro, como nunca me senti na vida. Sei o que quero e como vou conseguir chegar lá. Mas, mesmo assim, de vez em quando eu fico pensando que é um pouco triste não ter uma casa, nem alguém esperando por mim no Brasil. Já não moro com meus pais há mais de dez anos, então a casa deles já não é mais a minha casa. Por isso, o tempo passa rápido para mim, porque estou sempre pensando em como vai ser o próximo porto e tentando descobrir pra onde estou indo. Quatro meses embarcada não é muito. Nem pouco. É só o meio do caminho.

Um pingo de melancolia

Ando meio carente andando pelos corredores de metal desse navio. Quatro meses atrás, embarquei decidida a não me envolver com ninguém pra não sofrer com as despedidas e com todas as dificuldades de ter um relacionamento a bordo. Pois é. Eu sempre consigo o que cumprir minhas promessas. Mas, está sendo muito difícil ser sozinha. Às vezes, cansa ser forte o tempo inteiro. Tem horas que morro de vontade de ter alguém pra ligar pra desejar boa noite, alguém pra assistir um filme, pra tomar café da manhã, pra descer do navio e passear. Tá difícil.

domingo, 11 de abril de 2010

Tenerife não é na Europa

Tive que comprar um mapa-múndi para descobrir que Santa Cruz de Tenerife, o primeiro porto onde o navio parou depois de sair do Brasil, não é na Europa. É só uma ilha que pertence à Espanha, perto da África. Na escola eu era melhor em física do que em geografia. Assim, descobri que ainda faltam dois dias de navegação para finalmente chegar em solo europeu.

Oásis no Deserto

Depois de uma travessia do atlântico filha-da-puta (levou 17 dias pra chegar na europa), só mesmo estar no Egito pra fazer as coisas valerem a pena. Nunca na minha vida imaginei que iria conhecer as pirâmides e passar pelas ruas de Alexandria. Pra falar bem a verdade, as pirâmides não foram tão emocionantes assim (correndo atrás dos passageiros pra tirar foto, nem deu tempo pra pensar em nada), mas conhecer tudo o que tem em volta foi fantástico. É engraçado que eu tinha a idéia de que as pirâmides eram coisas sagradas no meio do nada, que a gente tinha que ir até lá de camelo. Mas, elas ficam bem no meio da cidade, tem um pizza hutt em frente e um monte de hotéis em volta. O ônibus pára em frente da Esfinge e perto dos muros em volta é cheio de lixo que os turistas deixam. Foi isso que eu achei mais curioso. Fiquei olhando os prédios, as pessoas, a luz do sol que também é diferente em cada parte do mundo. Comprei a lembrancinha mais cara do mundo por 15 euros, é lógico que eu não ia sair do Egito sem que um árabe me passasse a perna. Mas, pelo menos eu comprei!

Fim de Festa

A temporada brasileira acabou no dia 17 de março, quando começou a travessia para a Europa. São dezessete dias de Santos/Brasil até Savona/Itália. Ainda faltam três dias para chegar na Europa e o clima dentro do navio é de completo “fim-de-festa”, porque a temporada européia é completamente diferente e a mudança é total. Uma grande parte dos brasileiros a bordo serão transferidos assim que o navio encostar na Itália e as despedidas já começaram. Para os que ainda aguardam definição, são dias angustiantes para saber se vai, quando vai e pra onde vai. De qualquer maneira, Savona é uma data importante para todo mundo, o início da temporada européia. Não sei o que vem pela frente, mas curti muito a temporada brasileira e já sinto saudade dos overnights em Buenos Aires. Muita coisa boa, nova e surpreendente aconteceu. Já ficou uma saudade do chocolate havana, do freddo, do tango, do alfajor, da música latina, do madagascar, dos cassinos, dos chicos lindos, do desayuno em puerto madero, das compras na florida, do leão marinho de punta del leste, da ilha em porto belo, da cerveja quilmes, de pegar táxi por cinco reais. Além disso, nesses três meses de Brasil/Argentina, muita coisa aconteceu dentro do meu mundo particular. Amores, amigos, família, trabalho. Daqui três dias, começa tudo de novo. Só que agora, não é mais só espanhol. É em espanhol, francês, inglês, italiano e alemão. Estou só esperando que as coisas continuem a acontecer.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O tempo passa, o tempo voa

Pois é. Já faz dois meses que estou a bordo e agora que estou acostumada, as pessoas deixaram de ser monstros do mal e já consigo perceber que tem muita gente boa dentro do navio. O sistema é realmente bruto, mas é que nem a flor que nasce no asfalto. Durante o dia, tem umas coisas que me fazem sentir melhor e até me emocionam: um housekeeping passando de braço dado com um velhinha passageira, ajudando ela a achar a cabine; um amigo que pergunta se estou bem quando estou tomando água no crewmess pra me acalmar de uma briga com o chefe; um olhar de cumplicidade no tender lotado de hóspedes; um abraço de graça no meio do expediente; uma bala de chocolate quando a hora do break demora pra chegar; um celular tocando ragaton escondido na recepção de embarque, enquanto o chefe não vem; uma becks (sempre quente, que pena!) depois da noite de gala que é quando eu mais me ferro de trabalhar. Tem coisas que você só começa a dar valor quando está no meio do mar, dentro de um navio com mais de três mil pessoas e não pode sair quando quiser. Mas, no fundo, vale a pena.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Lar Doce Lar

Até que o cafofo não é dos piores. Aliás, a cabine é ajeitadinha, só é pequena devido às circunstâncias, afinal estou morando dentro de um navio – é meio foda querer um duplex com sacada. Como fotógrafa, eu entro na categoria Staff e a gente não precisa limpar a cabine. Todo dia arrumam o quarto e trocam as toalhas. Isso está melhor do que na minha casa, onde eu tinha que faxinar pelo menos uma vez por semana. Eu tive sorte, minha cabine fica no final do corredor, por isso é totalmente sossegada, sem barulho nenhum. Também acho muito bom não ter que lavar a louça, já que faço as refeições no refeitório. Mas, sinto muito falta do pão francês que a gente sai de manhã pra comprar na padaria. Não estou me alimentando muito bem, estou bem sem apetite. Isso sempre acontece quando estou trabalhando muito. Hoje, comprei um Sustagen pra repor as vitaminas, estou me sentindo muito frágil, emagreci ainda mais e não quero ficar doente.
Assim, já me acostumei com a vida. Comprei livros do Deepak Chopra, do Luís Fernando Veríssimo e do Geofrey Blainey que ainda não comecei a ler. Também tenho uns seriados de sci-fi que gravei. Nesse próximo cruzeiro quero relaxar um pouco e fazer essas coisas mais simples do dia-a-dia. Estou precisando disso, às vezes sinto que estou perdendo um pouco minha identidade. Na verdade, eu não preciso de muito pra ser feliz. Ter meu cantinho, minhas coisinhas e um tempo pra pensar na vida, já é suficiente!

Calendário

Metade da temporada brasileira já se foi. Já fizemos cinco cruzeiros para Buenos Aires e temos mais cinco antes do navio fazer a travessia para a Europa. Eu ainda não sei se vou continuar no Magica, existe a possibilidade de remanejamento dos fotógrafos, afinal é uma equipe praticamente inteira só de brasileiros. Não acho que vai ser muito funcional na Europa. Eu gostaria muito mesmo de continuar, o itinerário é fantástico. Estou torcendo por isso. Por enquanto, os dias estão passando rápido para mim. Já me acostumei com os lugares. Buenos Aires e Punta já são parte da rotina e eu saio do navio já sabendo o que vou fazer. Em Buenos Aires, eu saio cedo pra comprar coisas na Florida, coisas do dia-a-dia como alfajor pra hora do break ou uma garrafa térmica pra poder fazer suco em pó. Depois, vou comer algo em algum lugar com internet wi-fi de graça pra poder ver emails e postar no blog. Às vezes, vou com alguém, mas geralmente vou sozinha. Lá pelas 15h eu volto pro navio e só trabalho às 19h. Em Punta, eu acordo cedo, pego o barquinho cheio de passageiros que sai no navio e deixa a gente no pier. Eu adoro, porque saindo do barquinho já estou na cidade, é só atravessar a rua e tem lojas, restaurantes, câmbio e internet wi-fi pra todo lado. Punta pra mim é uma Camboriu chique. É uma cidade de veraneio, com veleiros ancorados no pier, gaivotas voando, praia com faixa de areia larga cheia de guarda-sóis e turistas. A diferença é que é um lugar com pessoas mais velhas. Não tem som alto, não tem adolescente andando em grupo, não tem agito. É um lugar pra gente muito rica, uma coca e uma empanada custa 15 reais. A empanada é o equivalente uruguaio da nossa querida esfiha brasileira. Por isso, depois de pegar uma praia, eu como no Burguer King ou no McDonalds, já que é barato e eu adoro junkfood. Daí, mais um pouco de internet e volto pro navio logo depois de comer pra não pegar o barquinho lotado. São quinze minutos de barquinho e quando está lotado é um saco. Tem que ficar na fila e a gente corre o risco de chegar atrasado, tenho que estar dentro do navio até 15h30, é o horário limite pra tripulação, já que o navio parte às 17h. Todo mundo volta no último barquinho, mas como eu sou desesperada e odeio fazer as coisas com pressa, prefiro fazer desse jeito. Assim, ainda dá tempo de tomar um banho e tirar uma soneca antes de pegar pra trabalhar das 17h até meia-noite. Minha rotina é assim, a não ser nos dias navegação e de embarque de passageiros que eu trabalho de manhã e à noite. Porém, no navio nada é para sempre. Na Europa muda tudo outra vez. Por enquanto, é aproveitar a praia, os argentinos lindos, os overnights, os alfajores, as ofertas de casacos de couro, o sorvete Freddo, os cafés maravilhosos, as empanadas, os passeios pelas praças, a parrillada, o táxi barato, a internet wi-fi no meio da rua. Depois, novas paisagens me esperam.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Natsumi

Por enquanto não esbarrei com nenhum descendente de japonês aqui no navio. Já faz quase um mês que estou embarcada e ainda tem gente que fica confuso: cara de japonesa, falando em português e bandeirinha do Brasil no uniforme. Algumas pessoas até acham que sou filipina, mas a grande maioria percebe que sou japonesa. É a primeira vez que eu sinto o peso da raça no meu dia-a-dia. É intrigante pensar que sou a única japonesa na tripulação inteira. Até agora não sofri nenhum tipo de preconceito, só tenho que agüentar as pessoas fazendo as piadinhas de sempre. É chato porque eu nem sou japonesa, nem nunca fui pro japão, nem falo japonês. Eu nem gosto de sashimi. Tem filipino que conhece muito mais o Japão do que eu, afinal é tudo lá pro mesmo lado. Meu name tag – o crachá que a gente usa até quando está de pijama – veio errado e trocaram meu sobrenome pelo meu segundo nome. Daí, muitas pessoas estão me chamando de Natsumi. Eu nunca usei esse nome, sempre achei muito comprido escrever meu nome inteiro, mas estou curtindo essa troca. Afinal, é assim que me sinto, sei que não sou a mesma pessoa a bordo. Nada melhor que um nome diferente pra usar dentro do navio.

Aquario

Estou começando a ficar carente aqui dentro do navio. Às vezes, sinto falta de alguém pra falar de sentimentos, sobre o sentido da vida, sobre a economia mundial, sobre física quântica. É difícil achar alguém com pensamentos em comum pra trocar uma idéia, com quem bater um papo mais cabeça. O maioria do povo aqui só pensa exclusivamente em beber e transar o tempo inteiro. É estranho. Aconteceu o terremoto no Haiti e não consegui conversar com ninguém sobre isso. Eu até tentei, mas me olharam como se eu tivesse algum problema. Poucos tem curiosidade de saber o que está acontecendo fora do navio. Às vezes, eu me sinto dentro de um aquário, sou um dos peixinhos que fica nadando em círculos em busca de comida, tendo que competir e se proteger dos outros peixinhos o tempo inteiro. A água não se mexe, o ambiente não muda, as plantinhas de plástico são lindas, mas não têm vida. Além de não poderem sair do aquário, os peixinhos nem têm consciência de que existe um mundo lá fora. Não acho isso ruim, nem acho que deveria ser diferente, só sinto falta mesmo de alguém pra conversar. Sou um peixinho que pensa demais.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Três Minutos

Tenho 3 minutos de internet super cara no Terminal de Santos pra escrever este post!
É o tempo de resumir o primeiro mês a bordo do Costa Mágica:

Too Fast, Too Furious!

Intenso!

Acabou o tempo!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

De vento em popa

A gente acostuma a ficar sonhando com a vida que queria ter e quando o sonho vira realidade acaba ficando até atordoado. Sempre sonhei com uma vida autêntica, com aventuras e desafios. A vida no navio é exatamente isso. É como estar dentro de um liquidificador, coisas ótimas e péssimas acontecendo ao mesmo tempo. Mas, acontecendo o tempo inteiro. São quinze dias a bordo e agora estou começando a aproveitar a viagem. O medo passou, a pressão diminuiu, a autoconfiança voltou ao normal. É difícil descrever o que estou vivendo, porque não existe nada parecido com o que eu possa comparar. Estou começando a ter uma rotina, coisa que é essencial para mim. Sem rotina, sem saber o que vou fazer no dia, me sinto perdida. Cada dia eu trabalho em um horário diferente e só fico sabendo o que vou fazer quando a loja fecha, sempre depois da meia-noite. Mas, as escalas se repetem e já estou criando hábitos. À noite, sem exceção, eu sempre trabalho. Não é sempre que fotografo, mas vendo na loja todos os dias, por pelo menos seis horas. Tem dias que não são pesados, como hoje que o navio está ancorado em Buenos Aires. Tive o dia inteiro livre e só trabalhei das 19h às 23h. Aproveitei para descer do navio, fui até a Rua Florida onde fica o comércio para turistas. A primeira coisa que fiz foi entrar no MacDonalds. A comida do navio não é ruim, mas é igualzinha comida de avião ou de astronauta. Preferi passear sozinha e dei uma volta nas lojas. Sentei em uma praça para fumar um cigarro e fiquei vendo o movimento da rua. Foi só então que realmente me senti uma estrangeira, fora do meu país, conhecendo um monte de coisas novas. É muito bom saber que agora essa é a minha vida, minha rotina, meu dia-a-dia. Comer um bigmac em Buenos Aires, tomar um sorvete em Punta Del Leste e tomar banho de sol em Porto Belo. Tem horas que nem acredito.